Deixo aos leitores um texto sobre o saudoso teatro da Matriz Santo Antônio, de autoria de Gledes Alcalá, que é um pesquisador e grande conhecedor da história de monsenhor Magi e da Matriz. Muito há o que se falar dos grupos teatrais que atuaram na Matriz Santo Antônio e que com suas vendas de ingressos ajudaram a construir aquela igreja, mas nesse texto, especificamente, o autor enfatiza a principal personagem desse cenário: a atriz Carmela Canciani:
"O Teatro de 1950 em Americana"
A dramaturgia em Americana entre os anos 1950/1980 foi intensa e invejável, comparável a uma grande cidade; o entretenimento e a cultura que o teatro representa é a marca e o grau cultural de um povo.
Carmela Canciani foi a mais talentosa atriz, produtora e diretora teatral que Americana viu e admirou. A artista que fez Americana rir e se emocionar.
Veio ainda criança para Carioba com a família e seus 10 irmãos. Ela se destacava por ter o poder divino de divertir, artista nata, nunca fez curso algum relacionado ao teatro, estudou somente até o 4º ano primário no Grupo Escolar Comendador Müller em Carioba. A cultura corria em suas veias com uma imaginação privilegiada, interpretava e improvisava como ninguém.
Em 1950 foi criado na Paróquia Santo Antonio dois grupos teatrais: o Santa Inês e o São Luiz, e lá estava ela no comando, tendo apenas 20 anos. Numa cidade como Americana havendo 2 companhias teatrais era um privilégio de poucas.
Sua vida foi o teatro, gostava e exigia um teatro bem feito com ensaios sem fim, 40 anos de sua vida foram dedicados ao teatro, onde toda a renda foi destinada à construção e decoração da Matriz Nova de Santo Antonio. Juntamente com o Monsenhor Nazareno Magi escreveu a peça “Vida, Paixão e Morte de Jesus” que foi aqui apresentada dezenas de vezes e nos dias atuais é apresentada no Engenho Central de Piracicaba, uma das maiores apresentações da Sexta-Feira Santa existentes no Brasil. Com sua voz clara e possante sempre interpretou o lamento canto de Verônica, que emocionava o público e lhes trazia lágrimas aos olhos.
O Monsenhor Nazareno Magi, de extrema cultura e amante das artes, foi o principal incentivador dos grupos teatrais que depois se fundiram em grupo apenas. Em todos os ensaios o Monsenhor acompanhava e “vivia” todos os dramas e comédias que foram muitos: A Mentirosa no Pelourinho, O coração novo, Cega do Poço, Judite, As duas mamães, As galinhas da Tia Chica, Dona Xepa, A pena e a lei, Auto da Compadecida, O boi e o burro a caminho de Belém, Maria Sião, A Estátua Viva, A Sorte Grande, O reizinho mentiroso, a raposa e as uvas, O universitário morre as oito, Entre dois corações maternos, As cegas de Kion-Kiang, Os sete passos da juventude sem amor, O julgamento do Zé Pereira, A vingança da cigana, e mais outras tantas. A peça Madame Power foi inteiramente montada e ensaiada, porém foi censurada e jamais apresentada.
Peça: A Cega do Poço. Identificadas: Carmela Canciani,
Iolanda Antoniolli, Aparecida Botasso e Jociara Malavassi.
O grupo teatral da Matriz de Santo Antonio também se apresentou em outras cidades. Os painéis que compunham o cenário eram verdadeiras obras de arte, feitos pelos pintores Alberto Gobbo e pelos italianos Pedro e Uldorico Gentile.Iolanda Antoniolli, Aparecida Botasso e Jociara Malavassi.
A atriz e diretora era uma artista completa que pensava nos mínimos detalhes: cenografia, iluminação e contra-regra, os efeitos sonoros e sonoplastia eram quase reais.
Um dos grandes orgulhos de Americana é que o talento da atriz Carmela não passou despercebido, pois a TV Tupi do Rio de Janeiro, de propriedade de Assis Chateaubriand, designou o ator Roberto Pirillo para vir convida-la e convence-la a trabalhar naquela grande emissora da época. A família não permitiu, pois as mulheres de televisão daquele tempo eram consideradas “de má reputação” e isto não estava de acordo com a forte educação religiosa que recebeu, assim Americana perdeu a oportunidade de mostrar ao Brasil a nossa maior estrela.
Carmela, a artista do palco do salão de festas da Matriz de Santo Antonio foi a primeira e mais perfeita atriz que Americana teve, a genialidade, cultura e alegria serão difíceis de serem encontradas em outra pessoa, ela vivia intensamente a arte de representar.
Monsenhor Magi na primeira fila junto com outros padres, numa das apresentações no salão paroquial em construção.
O teatro americanense viveu 4 décadas de esplendor e destaque; eram apresentados dramas densos com forte apelo à reflexão ou comédias que levavam o público às gargalhadas. O teatro do salão de festas da Matriz Nova foi a marca cultural de um tempo.
O importante grupo teatral da Matriz Nova se dissolveu aos poucos e com a morte de Monsenhor Nazareno Magi veio a faltar o seu maior incentivador. A partir de 1972 as peças começaram a ser apresentadas em um espaço de tempo cada vez maior, porém nunca faltaram os intermináveis aplausos com toda a platéia de pé com centenas de “Bravo! Bravo!”
Este é mais um dos fatos do passado que contribuíram com a construção de uma cidade voltada ao trabalho e também à cultura e às artes.
Texto: Gledes Alcalá, bacharel em administração de empresas.
Fotos: acervos pessoais de Geraldo Angelini, Gledes Alcalá e família Canciani.
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